Desligue o cérebro por 120 minutos e se divirta com comédia absurda que acaba de chegar à Netflix
A denominação de subcontinente diverge flagrantemente da pluralidade que constitui a milenar cultura indiana.
Diretores estrangeiros como o francês Louis Malle (1932-1995) em “Índia Fantasma” (1969), ou o inglês John Madden, de “O Exótico Hotel Marigold” (2011), fizeram questão de legar à posteridade sua visão muito peculiar sobre o país, mas o povo indiano é perfeitamente capaz de falar por si só. Os cineastas indianos estão cada vez mais atentos ao que se passa no resto do mundo, se convencendo de que seus patrícios também são suscetíveis às tentações que perseguem-nos a nós, pobres ocidentais.
“A Tripulação” é um claro exemplo de que ninguém está a salvo de apetites nada etéreos, tampouco um trio de ambiciosas comissárias de bordo há meses sem salário. Rajesh Krishnan se vale de atrizes talentosas para dar corpo a uma trama absurda, livremente inspirada num episódio verídico — embora nunca o vá admitir —, por meio da qual fala de sonhos, fracassos, tenacidade e as perversões que se lhes sobrepujam, numa cadência farsesca que entretém e desperta para conclusões sempre urgentes. O roteiro de Nidhi Mehra e Mehul Suri captura essa intenção de tirar o véu de assuntos espinhosos, malgrado saiba que algumas coisas não mudam jamais, em lugar nenhum, por mais que desejemos. E nem o desejamos com tanta paixão assim.
Uma denúncia de contrabando de ouro no voo 436 da Kohinoor Airlines mantém uma aeronave na pista, obrigando que passageiros, o comandante e o corpo de auxiliares permaneça à mercê das autoridades, que interrogam Geeta Sethi, Jasmine Kohli e Divya Rana, acusadas de estar por trás do esquema milionário que usava aviões de carreira para traficar um grande carregamento de barras de ouro com a ajuda de funcionários de companhias aéreas. Krishnan volta seis meses no tempo, explicando como se dava o modo de operação da quadrilha, encabeçada por Rajvanshi, o supervisor veterano interpretado por Ramakant Dayma, que sucumbe a um ataque do coração e morre com um colete revestido de ouro por baixo da camisa.
Geeta é quem vislumbra a oportunidade de, numa só tacada, vingar-se de Vijay Walia, o falido dono da empresa, de Saswata Chatterjee, e garantir um pé-de-meia que as esquente no momento em que tudo vier abaixo de vez. O diretor faz uma menção quase oblíqua a Vijay Mallya, proprietário da Kingfisher Airlines, que encerrou suas atividades em 2012, oito anos depois da fundação, em circunstâncias ainda nebulosas. Mas prefere fixar-se mesmo na sua história, e mais precisamente em Geeta, de onde vem a graça de seu filme.
Esse rápido flashback se encerra com a anti-heroína de “A Tripulação”, na Netflix, e suas duas companheiras revistadas pela subinspetora Mala, decidida a provar a culpa das moças e conduzi-las a Jaiveer Singh, o superintendente do aeroporto, de Diljit Dosanjh. Trupti Khamkar rouba a cena no segmento em que, certa de ter descoberto o expediente usado por Geeta, Jasmine e Divya para fazer o ouro circular sem levantar suspeita. Junto com Tabu, Kareena Kapoor e Kriti Sanon sabem exatamente o que fazem ali, e, no desfecho, resta inequívoco que todos têm seu preço. E não há musical de Bollywood que mude isso.
Filme: A Tripulação
Direção: Rajesh Krishnan
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10
REVISTA BULA - POR GIANCARLO GALDINO EM FILMES - 27/05/2024