Jovem que perdeu os braços vira fenômeno da natação paralímpica
Samuel, de 15 anos, nunca tinha praticado natação antes e obteve índice para Tóquio; vaquinha arrecadou próteses para ele
Aos 9 anos, Samuel gostava de brincadeiras típicas de criança como jogar bola e empinar pipa. Até que, um dia, escolheu uma barra de ferro para pegar a pipa enroscada em uma árvore, em Campinas, no interior de São Paulo. Os fios elétricos provocaram um choque violento, que o fez perder os braços.
Ele não poderia mais abraçar, comer com suas mãos, empinar pipa. Seria um trauma irreversível se não descobrisse que, mesmo assim, poderia fazer outras coisas. Sorrir, sonhar e... Nadar.
Antes daquele fatídico dia 15 de janeiro de 2015, a natação era um esporte que Samuel nunca tinha praticado. Mas, aos poucos, ele foi se apaixonando pela sensação de estar dentro d'água quando, em sua reabilitação, começou, logo depois do acidente, a fazer fisioterapia aquática.
Em pouco tempo, o garoto foi impressionando seus professores com seu talento para o esporte e, em menos de dois anos, passou a disputar competições.
Primeiro, as escolares. Depois, com outros objetivos, quando, sendo considerado um fenômeno, foi convocado para as seleções de base e, neste ano, já com 15 anos, conseguiu o índice para disputar os Jogos Paralímpicos Tóquio 2020.
"Nunca havia parado para assistir provas de natação. Foi na fisioterapia que tive essa paixão pela água, me sentia bem na piscina. Foi onde tudo começou. Antes, quando ia a festas, ficava na borda da piscina, nem sabia nadar. Agora, participo de competições", conta Samuel da Silva de Oliveira, ao R7.
Quando fazia fisioterapia, na piscina terapêutica, Samuel insistia em fazer exercícios de natação. Então, foi encaminhado para a própria ala esportiva da AACD, onde começou a praticar, ao mesmo tempo como uma forma de tratamento.
"Ele insistia em nadar na terapia, mas a terapeuta não tinha como lhe ensinar. Era outra atividade, então ele foi encaminhado para o esporte. No começo, eu via tudo como algo benéfico para a recuperação dele, pois fortalecia o abdômen, as pernas. De repente, ele começou a competir", conta a mãe de Samuel, Michelle da Silva, que passou o tempo todo ao lado do filho, durante a recuperação, desde o hospital.
Aliás, foi nos primeiros dias após o acidente que o próprio Samuel começou a reescrever sua história, mostrando que tudo o que aconteceu depois foi exclusivamente em função de sua força de vontade.
"Desde o hospital, já no quarto, comecei a encontrar soluções. Lembro-me que pedi caderno e lápis de cor para colorir com os pés. Tomava suquinho, de canudo, segurando com os joelhos. Cheguei a jogar videogame com os pés. Desde o hospital sabia que tinha habilidade com as pernas e isso foi de uma ajuda muito grande", conta Samuel.
As primeiras competições de Samuel foram em jogos escolares ou com os próprios companheiros de piscina. Aos poucos, ele foi disputando competições mais dirigidas ao alto rendimento, no Centro de Treinamento Paralímpico, quando chegou à base da seleção, na categoria S5.
Mas a pandemia interrompeu os treinamentos no local. Samuel ficou alguns meses parado. Até que, por intermédio do namorado de sua mãe, amigo de Cláudio Frischer, então diretor de Segurança da Hebraica, o jovem passou a treinar no clube paulista, que tinha uma infraestrutura adequada. Isso ocorreu no fim da fase aguda da pandemia.
Com a chegada à Hebraica, Samuel, ou Samuka, como também é conhecido, passou a treinar com competidores mais velhos, de até 20 anos. Seu esforço, segundo conta a mãe, era tão grande que muitas vezes ele deixou a piscina chorando de cansaço. Seu objetivo era conseguir uma marca olímpica para poder participar dos Jogos Paralímpicos de Tóquio.
E, em junho de 2021 ele obteve o índice em seletiva no Centro Paralímpico Brasileiro, apesar de, neste momento, sua participação ainda não estar garantida. Segundo exigência da organização, Samuel não disputou uma prova em Berlim, em 2020. O tempo dele foi de 36,71.
"Fiz o índice no Brasil, haviam liberado. Agora estão questionando, mas espero que dê tudo certo. De qualquer maneira, sou muito grato à Hebraica, que me abriu as portas em um momento de dificuldade, acreditou em mim e continua ao meu lado. Espero poder voltar a treinar pelo clube, principalmente em momentos como este, perto de competições importantes", afirma Samuel.
Enquanto os profissionais ligados ao departamento jurídico do clube buscam resolver o imbroglio, Samuel vai comemorando seus feitos.
Dirigentes da Hebraica conseguiram, por meio de uma vaquinha, arrecadar praticamente o valor necessário para a colocação de duas próteses em Samuel, no valor de R$ 197 mil.
Isso o fará voltar a realizar tarefas como comer por si mesmo, se vestir, escrever, falar no celular. Além da mãe, quem o ajuda a fazer tudo isso agora são seus irmãos mais velhos, Noemi, de 18 anos, e Rafael, de 20 anos. As próteses o ajudarão no dia a dia, mas ele continuará competindo sem elas, na mesma categoria.
"Colocar as próteses e ir à Paralimpíada são dois sonhos que andam juntos. Vou poder fazer de novo coisas muito simples, que só quando perdi percebi mesmo o valor: comer sozinho, por exemplo. Por outro lado, se eu puder disputar os Jogos, será outro sonho realizado, já que estarei abrindo um caminho para um futuro promissor. É muito gratificante ter chegado até aqui desta forma, é uma experiência nova, treinar com mais velhos, aprender coisas novas. Nunca nada é fácil, mas nunca podemos baixar a cabeça", observa.
Na trajetória de Samuel, ele descobriu que perder os braços não foi suficiente para deixar de acreditar em si. Ainda poderia abraçar o mundo. Ele percebeu, na prática, que viver é a mais importante das terapias.
- OLIMPÍADAS | Eugenio Goussinsky, do R7 - 08/07/2021