Um dos filmes mais bonitos da década está disponível na biblioteca da Netflix

As cenas iniciais de “Aftersun” podem dar uma falsa impressão de tranquilidade.
Em um quarto de hotel, um pai e sua filha conversam sobre a relação entre os dois. A menina, com nove anos, tenta disfarçar sua pouca idade, enquanto vê o homem, que está em seus trinta e poucos anos, como alguém muito mais velho. Ela observa de perto as manias dele, seus desejos não realizados e sua expressão melancólica, marcada por um casamento recente que não deu certo, afetando todos os aspectos de sua vida, como um líquido tóxico vazando de um corpo sem vida.
Charlotte Wells revisita suas próprias lembranças ao criar os personagens Calum e Sophie, protagonistas de seu filme. Isso explica a autenticidade e a força emocional que o público sente imediatamente. Aos dezesseis anos, a diretora perdeu seu pai, e, embora já sentisse sua ausência, pois morava em Nova York e ele em Londres, essa separação definitiva a devastou.
Seu texto equilibra momentos dolorosos com vislumbres de esperança, mesclando poesia e técnica para contar uma história comum. É assim que seu filme toca as pessoas e as conforta.
Na Turquia, Calum e Sophie aproveitam um raro momento juntos em um resort econômico. Enquanto isso, Wells fornece indícios sobre o estado emocional do homem, que acende um cigarro após uma longa pausa, por causa de um gesso no braço. Um problema na reserva resultou em um quarto com apenas uma cama, e ele nem considera a possibilidade de compartilhá-la, talvez por receio do politicamente correto.
O filme não se entrega por completo e, em seguida, em uma manhã ensolarada, eles estão no parque aquático. Calum pede drinques no bar, enquanto Sophie se diverte no fliperama, interagindo de maneira ambivalente com um garoto, tentando chamar sua atenção e ganhar sua confiança. Paul Mescal e Frankie Corio cativam o público, alternando a preferência dos espectadores ao expressarem suas mágoas.
Sophie, como Wells, não consegue esconder a tristeza pelo divórcio dos pais e deixa claro que morar com a mãe não é fácil. Calum, por sua vez, apoia as queixas da filha, mas está perdido em seus próprios planos, como a ideia de abrir um café com um certo Keith, que nem ele mesmo leva a sério.
“Aftersun” é contado do ponto de vista da menina, mas quando Celia Rowlson-Hall assume o papel, fica claro o desejo de Wells de defender sua perspectiva sobre os acontecimentos. A fotografia de Gregory Oke destaca a aura onírica do filme, especialmente quando a Sophie adulta volta ao passado e vê Calum em um transe hipnótico em uma pista de dança, sob luzes que o atormentam como relâmpagos. Refleti sobre meus próprios pais, que eram jovens demais para assumir compromissos além de si mesmos, e senti pena deles, como já havia sentido antes. É talvez isso o que nos aguarda depois do pôr do sol.
Filme: Aftersun
Direção: Charlotte Wells
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Coming-of-age
Nota: 9/10
REVISTA BULA - POR HELENA OLIVEIRA EM FILMES - 03/05/2024 - 17:31